Se você acessar alguma de suas redes sociais agora, provavelmente vai deparar-se com alguma suposta frase dita por Olavo de Carvalho, Clarice Lispector ou Arnaldo Jabor. De fato, existe uma casta de escritores/influenciadores que habitam o imaginário popular ávido por compartilhar alguma pílula de conhecimento, sejam elas verdadeira ou não. O “Olimpo ” de pensadores brasileiros frequentemente citados possuí um membro tão provocativo quanto peculiar: Nelson Rodrigues, o anjo pornográfico.
Nascido em 1912 no Recife, Pernambuco, Nelson mudou-se para o Rio de Janeiro próximo dos quatro anos de idade. Durante sua infância conviveu com diversas situações típicas do cotidiano dos bairros de subúrbio da então capital federal, muitos destes fatos serviriam como inspiração para seus textos futuros. Alcançou fama por meio de suas obras de dramaturgia como Vestido de Noiva e Bonitinha, Mas Ordinária ou Otto Lara Resende. Nestas obras o autor explora o trágico e o obsceno que acarretaram seu apelido.
Mas, em “A Pátria de Chuteiras” (Editora Nova Fronteira, 2013) conhecemos uma outra face de Nelson Rodrigues: o cronista esportivo. Em 150 páginas acompanhamos diversas crônicas escritas e publicadas originalmente nos jornais das décadas de 50, 60 e 70.
Apesar de ser torcedor do fanático do Fluminense (dizia que o Fla Flu começou 40 minutos antes do nada), esta coletânea foca em seus escritos sobre a seleção brasileira, mostrando-nos através do futebol diversas características sociais e culturais do Brasil. Dentro do arco dos textos publicados nos jornais podemos observar um povo que saiu desacreditado após a derrota da copa de 50 no Brasil até a sensação de donos do mundo pós o tri mundial no México em 70.
Vale o destaque para os textos nos quais é revelado que a relação entre seleção brasileira e torcida nunca foi uma calmaria. Temos o hábito de romantizar grandes seleções de décadas passadas e ao ler as publicações deste período tomamos um choque de realidade ao ver que temíamos seleções como a Rússia, fazíamos diversas críticas ao time que não devem em nada aos programas esportivos atuais do horário do almoço e pasmem: descobrimos que Pelé já foi vaiado nos estádios!
Outra característica marcante de seu texto é a observação da personalidade do brasileiro. Retrata o povo como pessimista e sem autoestima. Cria diversos alegorias para explicar nossa condição reprimida e subserviente como nos títulos “Narciso às avessas” e “Tomar ou não tomar Chicabon? Eis a questão”. Em alguns momentos compara nosso comportamento ao de outras nações (diz que a primeira coisa que um inglês faria ao pisar na lua seria anexá-la ao Império Britânico). Por fim, trata de sintetizar todo este comportamento em sua clássica definição do “Complexo de Vira-Latas”.
Nelson Rodrigues é um escritor sagaz e provocativo, entendeu a realidade de sua nação como poucos, a ponto de ter um texto ainda atual. Dominou tão bem sua gente que escolheu uma de suas maiores paixões, o futebol, para descrevê-la. A Pátria de Chuteiras é uma leitura indispensável para quem quer conhecer um pouco mais da história do Brasil no século XX, de como o Brasil passou de uma seleção derrotada para uma potência do futebol mundial ou para quem quer apenas fazer uma boa citação em sua rede social favorita.
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